Voto do relator contra o ITCMD não beneficiaria todos os contribuintes

27/10/2020 às 14:33:38  

Por Joice Bacelo — De Brasília

O julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF) em que se discute a possibilidade de os Estados tributarem doações e heranças de bens localizados no exterior tem apenas dois votos e só esses já estão causando um grande alvoroço no meio jurídico. O motivo está na “modulação de efeitos” sugerida pelo relator, o ministro Dias Toffoli. Ele votou contra a cobrança, mas propôs que a decisão tenha efeitos somente para as transferências que ocorrerem depois da publicação do acórdão.

Toffoli já tem o apoio do ministro Edson Fachin. Eles são os únicos que têm votos nesse processo. O julgamento havia se iniciado na última sexta-feira, por meio do Plenário Virtual, e foi suspenso no fim de semana por um pedido de vista do ministro Alexandre de Moraes.

Se o entendimento de Toffoli prevalecer, todos aqueles contribuintes que têm ações ajuizadas sobre o tema terão que pagar o imposto. Trata-se de uma medida pouquíssimo utilizada no STF. Só foi adotada três vezes desde que os ministros, em 2006, passaram a admitir a chamada modulação de efeitos.

As decisões proferidas pela Corte, em regra, tem efeito ex tunc, ou seja, produzem efeitos desde o momento da edição da norma que foi declarada inconstitucional. E, nesse caso, todos os contribuintes podem, na Justiça, pedir o reembolso pelos pagamentos indevidos no passado.

Se houver modulação, no entanto, há duas possibilidades: permitir que apenas aqueles que já tinham ação em andamento sejam reembolsados - a situação mais comum - ou vetar a devolução dos valores para todo mundo até determinada data, como sugere, agora, o ministro Dias Toffoli. É o que os advogados chamam de “ganha, mas não leva”.

“Traz muita preocupação para a advocacia tributária. Acende diversos alertas. Seja porque essa modulação acaba privilegiando leis inconstitucionais, seja porque há uma série de decisões ainda pendentes na Corte e que, se esse entendimento prevalecer, podem seguir pelo mesmo caminho”, diz Tiago Conde, sócio do escritório Sacha Calmon.

A modulação de efeitos é um dos pontos mais sensíveis, por exemplo, da chamada “tese do século”. Os ministros decidiram por excluir o ICMS do cálculo do PIS e da Cofins em março de 2017. Em outubro daquele ano a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) apresentou embargos contra a decisão, que ainda não foram julgados (RE 574.706).

No recurso, a PGFN pede que a decisão passe a valer a partir de janeiro de 2018. O órgão alegou, dentre outros pontos, questões orçamentárias. Uma das razões seria a inclusão do passivo gerado no orçamento da União, o que só ocorreria, por meio de lei, no ano seguinte ao do julgamento.

Há apreensão do mercado em relação a esse julgamento. A discussão tem quase duas décadas e as empresas contam com os créditos decorrentes da exclusão do ICMS. Há casos de companhias que já tiveram ações encerradas e estão usando créditos do passado para quitar tributos.

O processo que está, agora, em discussão no STF - e pode acabar respingando na “tese do século” e em outras discussões tributárias - foi apresentado pela Procuradoria-Geral do Estado (PGE) de São Paulo. Os procuradores contestam decisão do Tribunal de Justiça (TJ-SP) que afastou a cobrança do ITCMD. A alíquota cobrada, no caso, é de 4% sobre a herança que a advogada Vanessa Andreatta recebeu do pai, residente da Itália (RE 851108).

Ela afirma que irá requerer, no STF, o deslocamento do caso do Plenário Virtual para o físico, que atualmente ocorre por meio de videoconferência. A advogada acredita que o debate será mais eficiente se houver uma troca de ideias em tempo real entre os ministros.

No Plenário Virtual, não há um debate visível ao público. Os julgamentos se iniciam sempre às sextas-feiras e os ministros têm até uma semana para liberar os seus votos no sistema.

Esse julgamento sobre ITCMD ocorre em repercussão geral. A decisão, quando proferida, terá de ser replicada a todos os processos no país. Dos 27 Estados, 22 têm normas para tributar as doações ou heranças de bens localizados no exterior.

A discussão, aqui, é saber se o imposto tem que ser instituído, obrigatoriamente, por lei complementar federal ou se os Estados podem, por meio de normas próprias, estabelecer a cobrança.

Em São Paulo existem pelo menos 200 processos aguardando a decisão do Supremo. O impacto, para a arrecadação do Estado, está estimado em R$ 5,4 bilhões, incluindo eventuais devoluções do quer foi pago pelos contribuintes.

A maior parte do valor está atrelada a ações ajuizadas por uma única família. São cerca de R$ 2 bilhões em impostos. Os herdeiros, toda vez que recebem doações do patriarca, que reside no exterior, apresentam mandados de segurança preventivos contra os 4% de ITCMD. São 30 processos e R$ 46 bilhões em doações.

Para a advogada Vanessa Andreatta, é preciso levar em conta, no entanto, que nem todos os casos são bilionários e que existem outros métodos para o Estado cobrar o ITCMD quando considerar, por exemplo, que houve fraude ou um planejamento tributário abusivo. “Não é justo deixar de lado os milhares de cidadãos que confiaram na clareza da norma constitucional”, diz.

Entre os anos de 2006 e 2019, o STF recebeu 25 pedidos de modulação de efeitos sobre questões tributárias. Os ministros negaram 17 e aplicaram a modulação em oito casos - sendo que em apenas três desses oito eles não preservaram as ações em andamento.


Esse levantamento foi feito pelos advogados Leonel Pittzer e Ariel Möller para fins acadêmicos e vem sendo atualizado ano a ano. “É preciso ter cuidado porque a modulação pode estimular condutas imorais do Fisco”, diz Pittzer. Möller acrescenta que, no caso do ITCMD, a modulação proposta pode estimular uma corrida dos Estados para cobrar o imposto antes que se feche “a janela de tempo”, que, no caso, seria a publicação do acórdão.

Os advogados chamam a atenção, no entanto, que os três casos em que houve modulação de efeitos e os ministros não resguardaram as ações em tramitação são bastante “peculiares”. Dois deles, por exemplo, não envolviam a devolução de tributos.

Um desses casos é a ADI 4171, julgada em 2015, que tratou da incidência do ICMS sobre álcool combustível misturado à gasolina. A discussão envolvia a repartição da receita tributária entre Estados - não havia o contribuinte, na ponta, buscando a devolução de valores.

O outro é a ADPF 190, de 2016, sobre a redução da base de cálculo do ISS. Os ministros proibiram os municípios de conceder benefício fiscal em que o valor a ser recolhido pelo contribuinte fosse menor do que a alíquota mínima fixada pela Lei Complementar nº 116, de 2003.

O terceiro caso, único que envolvia ações de contribuintes com pedidos de devolução dos pagamentos indevidos, é a ADI 3106, de 2015. O STF decidiu sobre uma cobrança compulsória imposta por Minas Gerais aos seus servidores. A arrecadação serviria para o financiamento de atendimento à saúde - o que, na visão dos ministros, só poderia ocorrer de forma voluntária. Para eles, a decisão não poderia ter efeito retroativo porque os serviços relativos à saúde haviam sido prestados.
Fonte: Valor Econômico
 
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